O curso
do nada
Vazio.
Estou a um passo de um novo e obscuro vazio. Não vejo outra alternativa. Não
vislumbro outra chance de mudar aquilo que se encontra no mais rudimentar
pensamento. Caminho em direção ao nada, rumo à dobra do vento, onde o sentido
da vida fenece diante do mais inebriante vazio. Não sou nada. Nunca serei
nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os
conflitos do mundo. Mas quais são eles? Se eu ainda soubesse. Se soubesse onde
fica minha casa, onde fica a morada da minha alma escusa, onde encontro o pouso
da minha consciência vã. Não, não sei, não encontro. Carrego a minha pedra até
cume da montanha, mas ela corre de volta até o pé. Pé da esperança, cume da
ilusão. Um mundo desconhecido se apresenta vagarosamente. Continuo à espera de
alguém que me diga o que fazer; que aponte a direção que devo tomar.
O
trânsito fomenta a tensão dos meus nervos. Todas as vias estão lotadas de almas
decididas a seguir o mesmo caminho. É noite, e as ruas ainda estão cheias.
Vermelho. O menino faz malabarismos e pede uns trocados. Dou-lhe as últimas moedas
do bolso. Verde. Piso forte, sem firmeza. O mundo parece se rasgar diante de
mim. A vida parece se rasgar; em fragmentos. Um carro me ultrapassa. Depois,
outro. Aumento a velocidade, não gosto de ser passado para trás. Reduzo, deixo
eles irem. Preciso de calma. A loja deve estar cheia e eu precisarei de
paciência para garantir o êxito. Na verdade, estou nervoso. Vermelho. Paro no
cruzamento. Penso forte em pegar o caminho de volta à minha casa. Os desejos se
bifurcam. Mas não há desejo algum. São dúvidas em potencial que se cruzam.
Verde. Sigo o meu vago propósito. Abro o porta-luvas e aliso o curto cano
prateado. Amarelo. Diminuo a velocidade, hesito. Uma vertigem perpassa minha visão.
Aumento a velocidade, piso firme; resoluto. Transponho o último sinal. As mãos
suam minha infante obstinação. O riso se desprende da rigidez dos dentes. Preciso
de um cigarro.
Estaciono
e desligo o carro. Ainda é muito cedo, necessito aguardar. Observo friamente o
movimento. Abro o vidro e acendo um cigarro. A fumaça caminha densa sob o teto
do carro e foge ligeira pela janela. Espero. Quase relaxo.
Miro o sujeito que sai da loja de
conveniência. Detenho meus passos ao sair do carro. O sujeito me vê. Ele está
visivelmente atormentado. Percebo a confusão nos seus olhos. Olham para o nada.
Estão vazios. Observo a criatura vacilante que parece ter encontrado a direção
a ser tomada. Vem na minha direção. O homem franzino cambaleia desesperado na
minha direção. Tem agora olhos de tubarão. Não me movo, continuo a fitá-lo
imóvel, pálido. O garoto transpira seu desespero juvenil; eu, a minha
injustificada inocência. Ele me mira com a mão direita. Descontroladamente o
suor escorre. O meu e o dele. No vácuo instante, ouço o estouro e vejo a luz
fugaz; queima na minha carne. Caio como uma fruta madura. O garoto chegou
antes. Ele vai em direção ao carro. O ronco do motor roça brutalmente os meus
sentidos até transformar-se num horizonte inaudível. Esboço um
suspiro de contentamento enquanto a dor dilacera as incertezas. Isso é tudo,
descubro: nada.
C.P.