sábado, 31 de julho de 2010

O Encontro

Passa um homem triste pela rua da alegria. Como de costume, calmamente ele caminha sem olhar para os lados, alheio ao alvoroço dos moradores e frequentadores da rua. Absorto em sua tristeza constante, demora a perceber uma luz invadir sua retina vagarosamente. Um detalhe que nunca havia reparado nesses tantos anos de passagem pela rua.
O sorriso tímido de uma garota despertara a atenção do homem, que, confuso, lhe responde com um sorriso como há muito não esboçava.
E agora, como haveria de proceder esse homem?
E então, tomado pela euforia, vai de encontro àquela estrela de brilho incandescente, que ainda continuava sorrindo, e para a sua frente.
Olha bem fundo em seus olhos contemplando-os.
A moça permanecia estática, e agora o homem também. Num repente, a garota de olhos profundos, e que vestia roupas de certo requinte, irrompe o silêncio dizendo:
- Por favor...
Ela, ainda com o sorriso estampado, entrega-lhe uma faca de ponta tão afiada quanto o seu olhar.
Não restava nenhuma dúvida, era o momento que aquele homem de sorriso quase inexistente e alma congelada tanto esperava.
Ele recebe a faca da mão da garota, e ,sorrindo para ela, cuidadosamente traça um corte profundo em seu próprio pescoço. Em segundos o homem cai de joelhos e tomba ao chão, enquanto aos poucos o brilho da moça vai se apagando até desaparecer por completo e esfarelar-se sobre o homem ali caído.
Na rua, tudo em paz e alegremente normal.


Christian Pizzolatto

sexta-feira, 30 de julho de 2010

DoisOitoOito


O caminho que o rock nacional vem trilhando é um tanto estranho. Justamente porque rock é atitude. Coisa que anda em falta no Brasil. E uma das coisas que diferencia o rock gaúcho, do rock nacional, é a atitude em experimentar coisas novas e criativas.

É seguindo esse raciocínio que eu tenho orgulho em escrever sobre a DoisOitoOito (288). Semana passada fui a um show deles. Eu não sou nenhum perito no que falo, mas o que diferencia a DoisOitoOito das demais bandas da cena, é principalmente a atitude. A banda, em atividade há mais de dez anos, angariou uma porção de amigos por onde passou. Pela qualidade do seu trabalho e pela forma com que os integrantes interagem com o público.

Atitude é um sentimento que sobrevive dentro de nós, pedindo por vezes para ser expulsa por alguns instantes. Ela não hesitou em permanecer no ar, enquanto a DoisOitoOito estava no palco. Percorria as carcaças humanas presentes no Under Feelings (Av. Venâncio Aires, 912), envolvendo não só os ouvidos, mas a mente. Eu poderia definir como rock, atitude e amizade. Mas isso é de cada um.

Quando puder, vá a um show. Tome uns tragos e aproveite. Os caras tão do teu lado!

http://www.myspace.com/doisoitooito

http://www.fotolog.com.br/doisoitooito


Conheça um pouco mais:

Originária de Porto Alegre, a 288 iniciou suas atividades no final de 1999, com a fusão de duas bandas, uma de rap e outra de hardcore. A banda propõe-se a uma mistura de estilos, principalmente hardcore e rap, mas não limitando-se a essa fórmula, possuindo uma gama de influências muito maior. Tendo 5 integrantes com influências completamente diferentes, tentamos ao máximo misturar estilos e criar uma sonoridade e identidade própria, visto que uma grande quantidade de bandas da cena nacional, apenas copia, ou tenta encaixar fórmulas prontas vindas de fora, que não combinam com o nosso idioma. Achamos fundamental cantar em português, pois desta maneira entendemos que a compreensão e identificação com a nossa música é multiplicada. Assim usamos nosso idioma e tentamos criar estruturas musicais diferenciadas, tanto das bandas nacionais quanto das de fora. Usamos a música como meio de expressarmos o que sentimos e pensamos, tentando passar uma mensagem positiva e combativa. Em Março de 2002, lançamos nosso primeiro trabalho, um CD demo contendo quatro músicas diferentes entre si, mas mantendo uma coerência musical, que demonstram a quantidade de influências da banda. Estamos trabalhando para lançar novo cd ainda em 2010.



quarta-feira, 28 de julho de 2010

Filipe

Todo dia ás 6 da tarde Filipe enfia a cabeça na terra. Todos sempre perguntam o porquê, mas ele nunca soube responder. 6 da tarde, tiro e queda, Filipe enfia a cabeça embaixo da terra. Alguns o chamam de menino avestruz, outros preferem não falar nada por medo de retaliações dos parentes desconhecidos de Filipe, certamente, os Senhores Etês. Sua Mãe não briga mais quando o vê voltar pra casa com os olhos quase cobertos de terra, e algumas minhocas saindo de seu nariz.


Todo dia na hora do jantar na casa de Filipe, seus pais discutem. O baixo salário do Pai, o cabelo mal cortado da Mãe, a comida cara do maninho (o cachorro de Filipe), e o preço do aluguel que sobe todo ano. Filipe observa tudo com calma. Tudo que ele não precisa é dar mais um motivo para os pais brigarem.


- 6 da tarde.


Lá vai Filipe em direção ao buraco no jardim de seu quintal. Mergulha a cabeça na terra e grita o mais alto que pode. Pensa em todos os problemas discutidos pelos pais, na comida cara do maninho, na Juliana - sua amiguinha de brincadeiras - e como ele não gostaria de crescer e se tornar um adulto.


Filipe entrou em casa com a cabeça cheia de terra, só que dessa vez, a minhoca saía de sua orelha.




Ricardo Lubisco

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Musicando

Tendo em vista que eu disponho de um espaço na internet para fazer o que eu bem entender, me sinto na obrigação de compartilhar duas genialidades da música com você. E “você” significa quem quer que seja. Qualquer pessoa que veja esta página. Não deixe de ver os vídeos. Se fossem ruins não estariam aqui. :)


É um absurdo o que essas notas de baixo me fazem viajar. Quem me mostrou o Jaco, foi o Christian. O Pizzolatto. Aquele cara que tem um blog chamado Cadela Desalmada. Faz um tempo que eu tô vidrado em som de contrabaixo, e ele falou:

- Tchê, dá uma olhada nisso aqui então:




É insano de bom.



E uma música incrível que eu ando escutando há semanas, é essa aqui! Não preciso fazer comentários. A guitarra esgoelada do Zappa faz isso por mim!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nós não queremos ver o dia amanhecer

Olhe nós aqui. Não nos perca de vista, por favor. Não vire o olhar. Olhe com cuidado, por que aqui estamos nós. Todos os derrotados da nação. Estamos cantando em coro para que nos ouçam. Estamos vivenciando as nossas vidas para que seja percebido, que mesmo nós, os traços à borda da humanidade, somos capazes. Nossas vidas amargas nos satisfazem tanto quanto as vidas tão sonhadas por qualquer um. A não ser pela diferença que não temos sonhos, temos vontades. Que acabam se satisfazendo quando a noite vem. Quando os verdadeiros ratos estão em suas tocas. Quando nos sentimos livres para sair às ruas e ver as calçadas molhadas. Andar nelas como se fossemos donos do mundo. Do nosso mundo. Um mundo obscuro e sem um amanhã estabelecido. Nós vemos tudo de uma forma diferente. Como se as casas rodassem a nossa volta e nos dessem as boas-vindas. E os postes estão lá por nós, iluminando as ruas para que elas possam ser habitadas. É uma invasão de seres estranhos, mas todos com um ponto em comum: a vontade de estar lá. E as pessoas vêm de todas as partes. Pessoas que saem de bueiros. Saem de buracos entre os apartamentos de tijolos vermelhos. Conforme a rua vai enchendo, a luz da noite vai mudando. A lua agora nem está tão branca. Os gritos de revolta estão lá também. O grito de várias gerações ecoa pela rua envolta de prédios. Gerações de jovens querendo viver, e não esperar por um futuro. Não planejar um futuro. Não construir uma família. Esqueça, esqueça tudo. A vida está acontecendo agora. Está pulsando na minha calça, a cada tragada que nos é concedida, e em todas as garrafas de cerveja empilhadas em um canto. Nós não nos conhecemos, mas nos aceitamos. Sabemos que é agora ou nunca, que as noites irão passar, que o nosso corpo irá enrugar, e os hormônios irão cansar de se reproduzir. Iremos nos desfalecer em cadeiras assistindo televisão e fumando cachimbos. Mas não. Não pense nisso agora. Ainda temos tantas noites para sorrir, tantas noites para chorar, e mais noites ainda para não pensar em nada sobre isso. A juventude é nossa. De todos nós. Todos esses seres que saem de seus buracos e deixam para trás toda a podridão da política, das mentiras, e das conseqüências. A juventude está em todos que ainda sentem vontade de sair às ruas quando escutam esse coro. E não são poucas pessoas. É um coro de uma multidão. Há passagens subterrâneas para pessoas de todos os lugares do mundo. Basta querer estar aqui. E aqui não é tão longe daí. Basta apenas dar uma olhada ao redor. E não nos queira mal, por favor, porque nós só queremos o bom. O bom prazer de estar se sentindo bem. Não se intimide com o álcool, com tatuagens, com os cortes de cabelo. Tudo isso faz parte da festa. Faz parte da vontade de mostrar a nossa vida. Tudo é tão diferente, mas você acaba gostando. Não importa se não acordarmos amanhã de manhã. Pode apostar. Todos nós estamos aqui. Debaixo dessa estranha e bonita lua azul.

Ricardo Lubisco

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Life in Pictures


Alguns dias atrás estava procurando entre os meus filmes o Dr. Strangelove. Queria assistir novamente, mas não o achei. No entanto, durante essa procura sem resultado, avistei entre a pilha desajeitada e um tanto corcunda de dvd’s, Eyes Wide Shut, para nós, De Olhos Bem Fechados. Estava exatamente entre O Homem Duplo e As Invasões Bárbaras.
Mas não, não é De Olhos Bem Fechados que me fez escrever este pequeno texto. Não ele especificamente.
Quando vi no dvd deitado o nome do filme, percebi ao lado um: "de Stanley Kubrick". Imediatamente veio a minha cabeça comentários de amigos sobre um documentário da vida e obra de Stanley Kubrick: A Life in Pictures. Para nós, Imagens de Uma Vida

Fui atrás...

Achei...

Assisti...

O documentário mostra toda a trajetória de Kubrick, desde sua infância até o último filme por ele dirigido: De Olhos Bem Fechados. Justamente aquele que, entre outros, na torta coluna de filmes do meu quarto, me orientou a assistir esse documentário.
(Mas, mais uma vez, não é esse filme em específico que quero comentar.)
A Life in Pictures conta em detalhes a vida de um gênio. A obra de um gênio. Contestado e odiado por muitos até seu último dia de vida. Mas, indiscutivelmente, um gênio do cinema. Um obcecado pelo universo cinematográfico. Sua personalidade forte aliada à disciplina culminaram em filmes de uma estética singular; de uma linguagem única.

Nenhum filme de Kubrick passa batido!

Obviamente, não tenho a pretensão de tecer um comentário crítico a respeito desse grande gênio do cinema, minha intenção é apenas compartilhar a impressão que tive assistindo a esse grande documentário, pois é muito bem feito, além recomendá-lo a todos que cultivam um interesse pelo genioso diretor.

Segue a primeira parte:

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Não me interrompa

Por que você insiste em querer me ver? Sabe que me incomoda essa situação.
Mas eu precisava te ver. Não pude controlar o impulso.
Pois trate de controlar. Sabe que tudo isso me deixa triste; me deixa triste, pois sabe que eu te amo (e isso me dói ainda mais); sabe que me dói a espinha, os braços, a ponta dos dedos; me arde a boca, os olhos, o peito, o estômago; esta dor me veste por completo, dilacera minha alma, e me faz lembrar. Lembrar de tudo, exatamente tudo. Os beijos, os abraços, os olhares, o primeiro olhar, o sexo, a vida cheia, cada instante com um proveito intenso. É claro que eu posso estar sendo um pouco piegas, afinal, não há coisa mais chata do que aquelas pessoas que embarcam num saudosismo eterno, de maneira a convencer que o tempo que elas viveram intensamente, sim, foi um tempo bom. Mas com certeza, este não é meu objetivo neste momento. Na verdade, não tenho objetivo nenhum, apenas quero que você vá embora e me deixe aqui.
Veja bem, não sou culpado por isso, mas sinto como se fosse. Recai sobre minhas costas toda culpa que tenho certeza que não tenho, como uma rocha, como um grande monstro que pisa no mais insignificante inseto. Sinto-me culpado porque passei contigo muitos desses momentos que você mesma descreve. Mas não entrarei em detalhes, pois...
Porque me interrompe? Não tem esse direito. Na verdade não tem direito algum sobre nada. Não há motivo para você estar aqui, então, por favor, vá embora e não me procure mais. Não venha jogar na minha cara sua vida imunda, e os momentos que passou comigo, pois pra mim, nada disso significou alguma coisa...
Quer saber, relaxe um pouco. Sente-se aqui na minha frente. Tire esse casaco, pode colocá-lo no braço da minha cadeira. Quer tomar um café? Não? Hm, está bem. Como você é bonito. Acho que em todos esses anos, nunca tinha reparado nisso. Vamos, tire a camisa. Tire! Tire as calças também, ostente sua vivacidade, exiba seu sexo patético, e me cubra com seu gozo, assim como antes, como sempre fez; concentre-se, concentre-se, faça-o deslizar por todo meu corpo, quase inanimado e parcialmente morto nesta cadeira; faça-o confundir-se com o calor que sai dos meus poros...

Um cuspe na cara...

Você não muda. Mesmo assim, você não muda.
Outra hora eu volto.



Christian Pizzolatto

Gente como a gente


Ordinary People - Robert Redford - 1980

É tão comum se envolver de uma maneira muito forte com a história dos filmes, ou sou só eu?

Que filmão!


http://www.youtube.com/watch?v=UZYHe8IAlto

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Harriett

Chamava-se Harriett, mas não era loura. As pessoas esperavam dela coisas como longas tranças, olhos azuis e voz mansa. Espantavam-se com os ombros largos, a cabeleira meio áspera, o rosto marcado e duro, os olhos escurecidos. Harriett ficava sozinha o tempo todo. Mesmo assim, as pessoas gostavam dela.

Quase todo mundo foi na estação quando eles foram embora para a capital. Ela estava debruçada na janela, com os cabelos ásperos em torno das maçãs salientes. Eu fiquei olhando para Harriett sem conseguir imaginá-la no meio dos edifícios e dos automóveis. Acho que senti pena - e acho que ela sentiu que eu sentia pena dela, porque de repente fez uma coisa completamente inesperada. Harriett desceu do trem e me deu um beijo no rosto. Um beijo duro e seco. Qualquer coisa como uma vergonha de gostar.

Essa foi a primeira vez que eu vi os pés dela. Estavam descalços e um pouco sujos. Os pés dela eram os pés que a gente esperava de uma Harriett. Pequenos e brancos, de unhas azuladas como de crianças. Eu queria muito ficar olhando para seus pés porque achei que só tinha descoberto Harriett na hora dela ir embora. Mas o trem se foi. E ela não olhou pela janela.

Um tempo depois a gente viu uma fotografia dela numa revista, com um vestido de baile. Harriett era manequim na capital. Todo mundo falou e comprou a revista. Quase todos os dias a gente via a foto dela nos jornais. Harriett era famosa. A cidade adorava ela, mas ela nunca escreveu uma carta para ninguém.

Muito tempo depois, eu a vi outra vez. Eu estava trabalhando num jornal e tinha que fazer uma entrevista com ela. Harriett estava sozinha e não ficou feliz em me ver. Continuava grande e consumida e tinha nos olhos uma sombra cheia de dor. Fumava.Falei da cidade, das pessoas, das ruas - mas ela pareceu não lembra. Contou-me de seus filmes, seus desfiles, suas viagens - contou tudo com uma voz lenta e rouca. Depois, sem que eu entendesse por que, mostrou-me uma coisa que ela tinha escrito. Uma coisa triste parecida com uma carta. Tinha um pedaço que nunca mais consegui esquecer, e que falava assim:

sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor
pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava
no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus
como você me doía vezenquando eu vou ficar esperando
você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma
praça então os meus braços não vão ser suficientes para
abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa
que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você
sem dizer nada só olhando e pensando meu deus
ah meu deus como você me dói vezenquando

Quando terminei de ler, tinha vontade de chorar e fiquei uma porção de tempo olhando para os pés dela. E pensei que ela parecia ter escrito aquilo com seus pés de criança, e não com as mãos ossudas. Eu disse para Harriett que era lindo, mas ela me olhou com aquela cara dura que a gente não esperava de uma Harriett e disse que não adiantava nada ser lindo. Tive vontade de fazer alguma coisa por ela. Mas eu só tinha uma vaga numa pensão ordinária e um número de telefone sempre estragado. Eu não podia fazer nada. E se pudesse, ela também não deixaria. Fui embora com a impressão de que ela queria dizer alguma coisa.

Três dias depois a gente soube que ela tinha tomado um monte de comprimidos para dormir, cortou os pulsos e enfiou a cabeça no forno do fogão a gás. Foi muita gente no enterro e ficaram inventando histórias sujas e tristes. Mas ninguém soube. Ninguém soube nunca dos pés de Harriett. Só eu. Um desses invernos eu vou encontrar com ela no meio duma praça cinzenta e vou ficar uma porção de tempo sem dizer nada só olhando e pensando: que pena - que pena, Harriett, você não ter sido loura. Vezenquando, pelo menos.

Caio Fernando Abreu - O Ovo Apunhalado

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ah, é aquela sensação que você conhece

Tudo parece ter sentido! É estranho e normal ao mesmo tempo! Sua boca se mexe lentamente em slow motion e tudo está certo para mim. O som cada vez mais rápido e os movimentos cada vez mais lentos. Lá no meio da madrugada estamos nós e não há saída desse quarto. Por onde irá sair a fumaça? E se ela não sair? Bom, acho que ficaremos aqui, eu e você, esfumaçados e sorrindo por nada. O que temos a perder? Hahahaha! Ai minha cabeça, explodiu! Virou uma boca. Hahahah! Virou uma boca com um cigarro! Está falando com você e fumando! As paredes do quarto viraram monstros verdes e gosmentos. A gosma está inundando o quarto! Por que nós não estamos correndo pra algum lugar seguro? Bom, mas está tão bom aqui. Acho que aqui está tão seguro quanto qualquer outro lugar. Tem mais bebida aí? Traz algo pra gente comer então! Pode ser um pedaço de pizza! Mas não se esquece da bebida! Ah, que calor. Agora está melhor. To sentindo os meus dedos se mexendo involuntariamente. Deus, como eles gostam de passear pelo teu corpo. Todo ele. Eu amo o teu corpo! Tu viu que horas são? Como a gente conseguiu assunto pra tanto tempo, parece que começamos a conversar há uns dez minutos! Pois é, tá amanhecendo! Eu gosto dessa parte da manhã onde todo mundo ainda tá dormindo, dá uma sensação de que só a gente tá acordado. Uma sensação de que não existe mais ninguém e que a gente tá sozinho nesse mundão. Geralmente eu só sinto isso de noite, então é por isso que eu gosto dessa parte da manhã. É a única hora do dia que eu sinto isso. É porque o silêncio ainda toma conta da cidade. É sim! Tem café preto aí ainda? Tem? Vou fazer pra nós então! Ninguém me ensinou, não. Um dia eu fervi a água, misturei o café e tava pronto. Na real quando eu faço nunca me importo muito com o gosto do café, o importante é que eu tome café. É bom porque é caseiro, não tem aquele gosto de café de máquina! Sim, eu sei que o de máquina é bom, mas o caseiro é especial também, porque é a gente que faz. Eu que faço. Aí é bom. Eu sei fazer arroz também. Na verdade é a única coisa que eu aprendi a cozinhar até agora. Não, ovo não; eu me atrapalho. Olha! Olha ali na janela, rápido, tem um balão subindo pro céu. Ali ó, perto daquela antena do prédio, ele tá subindo rápido, olha. Pois é, laranjinha! Eu sempre achei laranja extravagante demais. Mais que laranja, acho que não tem não. Laranja é o ápice do extravagante. Tua pele é tão macia. É boa sim, para com isso. Eu gosto ué, isso que importa. Eu não me importo. Eu não me importo. Deu né? Vamos dormir. Tô ouvindo barulho de gente já! Eu não gosto de gente. Todo mundo gosta de sair na primeira hora da manhã e encher o saco. É que nem quando alguém não tem o que fazer e vai a alguma loja torrar a paciência de um cara que tá lá trabalhando em uma merda de emprego, só pra ganhar uma grana pra viver, e além de tudo, tem que atender esses idiotas que saem de casa a sei lá que horas da manhã, pra conversar e encher o saco de alguém. Feriados e domingos é a mesma coisa. Eu sei, mas isso me irrita. Se eu pudesse ficar em casa e ganhar dinheiro sem sair daqui eu não saía. Bom, talvez eu saísse sim. É eu sairia. Mas não torraria a paciência de ninguém. Acho que não. Tudo bem, a última. Vem, vem pra cá. Me abraça. Boa noite.

Ricardo Lubisco

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Pedras Epidêmicas

Tangenciando um pouco o clima cinematográfico, trago agora em forma de poema o resultado de duas frases que, em dois determinados momentos distintos, me fizeram refletir sobre um assunto muito corrente atualmente. A primeira frase corresponde a um comentário de um amigo meu sobre um outro amigo nosso: " Cara, eu olhei pros olhos dele, e parecia que ele não tinha alma". A outra frase corresponde a um novo escritor, cujo comentário me fez lembrar da frase desse meu amigo: " Nós estamos inseridos na história; fazemos parte dela; devemos contá-la de alguma forma". Esses dois comentários aparentemente sem conexão alguma, convergiram dentro de uma ideia que acabou resultando nas linhas abaixo.



Pedras Epidêmicas



Prospecto nos teus olhos

O tom cinza que escorre

Da tua alma que não me atende

Que não deixa penetrar

O mais raso ou mais profundo

enunciado


Inspeciono no teu corpo

Uma notícia de vida

Superficial, amarga,

que seja


Mas a morte encharca


Até o fio mais ruivo da tua barba branca

Até o anseio mais sedento da tua consciência

Do suor dos teus pés

À tosse que cospe

em pedras a euforia

abafada nos pulmões


Teus olhos rochosos

Teu corpo amargurado

Resfolegante

São cores de um quadro

Um quadro em tons cinzas

Cinzas de uma epidemia



Christian Pizzolatto


Adeus, Harvey.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Senta que lá vem a história

Eu gosto muito de filmes. Quem me conhece sabe disso. Quando eu vejo um filme e ele me agrada muito, causa uma certa revolução dentro de mim. Provavelmente isso acontece com outras pessoas também, mas geralmente ninguém nunca fala sobre isso. A primeira coisa a responder quando alguém te pergunta sobre tal filme, é:

- Bah, é muito bom! Do caralho! Esse filme é demais! Vale a pena!
Ou:
- Putz, não curti! Ih, aquele filme é ruim! É uma merda! Chaaaato!

Claro. Existem situações e situações. Tem aquele filme pipoca que tu vai ver com os amigos, ou ainda aquele filme que tu assiste com namorada (o) pra passar um tempo junto com ela (e). Mas é diferente quando tu separa um tempo para assistir AQUELE filme. Aquele que tu queria ver já faz algum tempo, que tu conhece algum ator, algum diretor, tem referências variadas, etc.
Bom, esse texto todo era só pra contar um pouco da experiência que eu tive com três filmes recentes que assisti. O primeiro deles, O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella.



O meu interesse no filme era grande, já que ele ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2010, batendo A Fita Branca, filme de um dos meus diretores preferidos, Michael Haneke. E antes de ver o filme eu meio que tinha raiva dele. Como assim ganhar de um filme do Haneke? É brincandeira, né? E pensava que era mais uma daquelas coisas típicas de Oscar, na qual o vencedor nem sempre é um grande filme (vide casos muito recentes como Crash – No Limite, Quem Quer ser um Milionário e Guerra ao Terror. E a surpresa foi gigante. O Segredo de Seus Olhos é um filme que merecia vencer não apenas na categoria de filme estrangeiro, mas talvez na categoria principal de melhor filme. É infinitamente superior a Guerra ao Terror. A tão comentada cena em plano-seqüência é realmente incrível. Tem cerca de 6 minutos e quando ela terminou, eu revi e revi até cansar de tentar descobrir onde estavam os cortes escondidos. O Oscar já perdeu a credibilidade faz um tempo, então isso não quer dizer muita coisa. E as qualidades de um filme sempre superam o fato de ter ou não sido premiado. As injustiças em premiações cinematográficas já fazem parte da história do cinema. Além do que, filmes são pessoais. Certamente alguém não compartilha a mesma opinião que eu sobre este filme.

Partindo para onde quero chegar: o filme mexeu comigo. Deu partida em pensamentos incoerentes que viriam a se formar com as experiências a seguir. Passado, presente, futuro. Conectando-me diretamente com outro filme que assisti: Mr. Nobody, do belga Jaco Van Daormel.



Foi indicação de um amigo. E puta que pariu, que indicação. É um filme extremamente criativo do começo ao fim, em todos os momentos. Eu não consegui fazer muita coisa após assistir, me encontrava em um estado inerte, com o pensamento viajando por várias épocas da minha vida, dando um pulo em atalhos obscuros que o meu cérebro produzia. Tudo acompanhado pela trilha-sonora.



O meu corpo paralisado enquanto o meu cérebro viajava por lugares imaginários desconhecidos.

Antes de chegar ao terceiro filme, eu encontrei este vídeo, onde o Tom Waits lê um poema do Bukowski.

O que dizer? Hahaha. Ele. O velho fudido. O marginal. Escreveu isso. Com toda a alma que ele aparentava não ter. As poesias são de uma sensibilidade impressionante. É um dos meus escritores preferidos. Sempre vai ser. E o Tom Waits recitando. É bom demais.

E ontem assisti o Noites de Cabíria, do Fellini, lá na Casa de Cultura. Está tendo um ciclo especial de cinema italiano em função da reabertura da Sala Norberto Lubisco. Porra, vi o filme em película. A experiência do cinemão antigo. Aí o que acontece é meio mágico, quando o filme é tão bom quanto a experiência. O 8 ½ do Fellini tá no meu Top 5 de todos os tempos, e eu não esperava gostar tanto do Noites. Mas a qualidade de quem realiza o filme é tão grande que não tem como não tratar como Obra Prima. O final do filme me arrebentou. E ali estava eu, naquela salinha confortável de 52 lugares, com umas 15 pessoas, emocionado, com a certeza de lembrar para sempre daquela personagem baixinha, esperta e sorridente.



A sessão acabou. O ar gelado de inverno passeava pela Rua da Praia, enquanto eu caminhava pela calçada com os olhos marejados, sem ter qualquer idéia de como descrever o que eu sentia naquele momento.

Três filmes que me fizeram ter sensações extremamente diferentes, mas que são coisas que só o cinema pode proporcionar. Ainda há poucas coisas que sejam tão boas quanto comprar um ingresso, escolher um lugar para sentar, esperar as luzes se apagarem, e mergulhar para um lugar distante se deixando envolver por sentimentalismos ficcionais.

Mas se for pra parar e pensar um pouquinho, não tão ficcionais quanto aparentam.



* Mr Nobody me fez psicografar algumas frases e histórias um tempo após assistir ao filme. Uma hora elas irão aparecer aqui.

Cadela Desalmada

Apenas para reiterar o que foi dito abaixo, este espaço se define como uma bacia, cujo objetivo é que depositemos nela nosso vômito verbal (perdoem-me a expressão), seja ele desprovido de forma, mas de conteúdo razoável, ou formalmente adequado, mas de conteúdo enjoado e, por vezes, sem valor algum.
Este lugar, virtualmente concebível, é um lugar de leitura; leitura e interação; interação com aquilo que foi lido. E quando me refiro a leitura, não estou apenas me referindo à simples decodificação de um código linguístico, e sim, à leitura de diversos tipos de linguagens: textos, filmes, pinturas, etc.

Bom, com essa pequena exposição acerca do propósito deste espaço, seja da minha parte, seja da parte do Ricardo, introduzimos a tentativa de criar algo que possibilite o diálogo entre os pensamentos desordenados que permeiam nossa mente ( determinantes para a escolha do nome do blog), e a concretude rotineira.

Cadela Desalmada

É possível dar início a um blog com a única intenção de ter um espaço nessa fatia gigante da internet, em que seja possível publicar textos sem que estes sejam plagiados, fazer comentários relevantes sobre filmes assistidos, usar palavras soltas sem nem ao menos uma rima, percepções, poemas (?) e escrever sobre coisas estranhas que acontecem, sendo a maior pretensão, talvez, deixar isto apenas registrado por um certo tempo? A internet dos dias de hoje, bem diferente da discada do início de século XXI, nos dá esta possibilidade, sendo que a maioria das pessoas já teve um blog alguma vez na vida. E é com este pensamento confuso que mais um surge. Cadela Desalmada. O nome? Só poderia ser um tão estranho e caótico quanto estas duas pessoas que pretendem aqui escrever.

Quem quer que tenha aqui chegado, que venha com o rastro de uma mente aberta. Ninguém precisa provar nada, é apenas uma necessidade de expressar certos sentimentos traduzidos em palavras.

Que seja então aberta de uma vez por todas esta porra deste blog.