Olhe nós aqui. Não nos perca de vista, por favor. Não vire o olhar. Olhe com cuidado, por que aqui estamos nós. Todos os derrotados da nação. Estamos cantando em coro para que nos ouçam. Estamos vivenciando as nossas vidas para que seja percebido, que mesmo nós, os traços à borda da humanidade, somos capazes. Nossas vidas amargas nos satisfazem tanto quanto as vidas tão sonhadas por qualquer um. A não ser pela diferença que não temos sonhos, temos vontades. Que acabam se satisfazendo quando a noite vem. Quando os verdadeiros ratos estão em suas tocas. Quando nos sentimos livres para sair às ruas e ver as calçadas molhadas. Andar nelas como se fossemos donos do mundo. Do nosso mundo. Um mundo obscuro e sem um amanhã estabelecido. Nós vemos tudo de uma forma diferente. Como se as casas rodassem a nossa volta e nos dessem as boas-vindas. E os postes estão lá por nós, iluminando as ruas para que elas possam ser habitadas. É uma invasão de seres estranhos, mas todos com um ponto em comum: a vontade de estar lá. E as pessoas vêm de todas as partes. Pessoas que saem de bueiros. Saem de buracos entre os apartamentos de tijolos vermelhos. Conforme a rua vai enchendo, a luz da noite vai mudando. A lua agora nem está tão branca. Os gritos de revolta estão lá também. O grito de várias gerações ecoa pela rua envolta de prédios. Gerações de jovens querendo viver, e não esperar por um futuro. Não planejar um futuro. Não construir uma família. Esqueça, esqueça tudo. A vida está acontecendo agora. Está pulsando na minha calça, a cada tragada que nos é concedida, e em todas as garrafas de cerveja empilhadas em um canto. Nós não nos conhecemos, mas nos aceitamos. Sabemos que é agora ou nunca, que as noites irão passar, que o nosso corpo irá enrugar, e os hormônios irão cansar de se reproduzir. Iremos nos desfalecer em cadeiras assistindo televisão e fumando cachimbos. Mas não. Não pense nisso agora. Ainda temos tantas noites para sorrir, tantas noites para chorar, e mais noites ainda para não pensar em nada sobre isso. A juventude é nossa. De todos nós. Todos esses seres que saem de seus buracos e deixam para trás toda a podridão da política, das mentiras, e das conseqüências. A juventude está em todos que ainda sentem vontade de sair às ruas quando escutam esse coro. E não são poucas pessoas. É um coro de uma multidão. Há passagens subterrâneas para pessoas de todos os lugares do mundo. Basta querer estar aqui. E aqui não é tão longe daí. Basta apenas dar uma olhada ao redor. E não nos queira mal, por favor, porque nós só queremos o bom. O bom prazer de estar se sentindo bem. Não se intimide com o álcool, com tatuagens, com os cortes de cabelo. Tudo isso faz parte da festa. Faz parte da vontade de mostrar a nossa vida. Tudo é tão diferente, mas você acaba gostando. Não importa se não acordarmos amanhã de manhã. Pode apostar. Todos nós estamos aqui. Debaixo dessa estranha e bonita lua azul.
Ricardo Lubisco
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