terça-feira, 31 de julho de 2012


O curso do nada

      Vazio. Estou a um passo de um novo e obscuro vazio. Não vejo outra alternativa. Não vislumbro outra chance de mudar aquilo que se encontra no mais rudimentar pensamento. Caminho em direção ao nada, rumo à dobra do vento, onde o sentido da vida fenece diante do mais inebriante vazio. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os conflitos do mundo. Mas quais são eles? Se eu ainda soubesse. Se soubesse onde fica minha casa, onde fica a morada da minha alma escusa, onde encontro o pouso da minha consciência vã. Não, não sei, não encontro. Carrego a minha pedra até cume da montanha, mas ela corre de volta até o pé. Pé da esperança, cume da ilusão. Um mundo desconhecido se apresenta vagarosamente. Continuo à espera de alguém que me diga o que fazer; que aponte a direção que devo tomar. 
        O trânsito fomenta a tensão dos meus nervos. Todas as vias estão lotadas de almas decididas a seguir o mesmo caminho. É noite, e as ruas ainda estão cheias. Vermelho. O menino faz malabarismos e pede uns trocados. Dou-lhe as últimas moedas do bolso. Verde. Piso forte, sem firmeza. O mundo parece se rasgar diante de mim. A vida parece se rasgar; em fragmentos. Um carro me ultrapassa. Depois, outro. Aumento a velocidade, não gosto de ser passado para trás. Reduzo, deixo eles irem. Preciso de calma. A loja deve estar cheia e eu precisarei de paciência para garantir o êxito. Na verdade, estou nervoso. Vermelho. Paro no cruzamento. Penso forte em pegar o caminho de volta à minha casa. Os desejos se bifurcam. Mas não há desejo algum. São dúvidas em potencial que se cruzam. Verde. Sigo o meu vago propósito. Abro o porta-luvas e aliso o curto cano prateado. Amarelo. Diminuo a velocidade, hesito. Uma vertigem perpassa minha visão. Aumento a velocidade, piso firme; resoluto. Transponho o último sinal. As mãos suam minha infante obstinação. O riso se desprende da rigidez dos dentes. Preciso de um cigarro.
        Estaciono e desligo o carro. Ainda é muito cedo, necessito aguardar. Observo friamente o movimento. Abro o vidro e acendo um cigarro. A fumaça caminha densa sob o teto do carro e foge ligeira pela janela. Espero. Quase relaxo.
       Miro o sujeito que sai da loja de conveniência. Detenho meus passos ao sair do carro. O sujeito me vê. Ele está visivelmente atormentado. Percebo a confusão nos seus olhos. Olham para o nada. Estão vazios. Observo a criatura vacilante que parece ter encontrado a direção a ser tomada. Vem na minha direção. O homem franzino cambaleia desesperado na minha direção. Tem agora olhos de tubarão. Não me movo, continuo a fitá-lo imóvel, pálido. O garoto transpira seu desespero juvenil; eu, a minha injustificada inocência. Ele me mira com a mão direita. Descontroladamente o suor escorre. O meu e o dele. No vácuo instante, ouço o estouro e vejo a luz fugaz; queima na minha carne. Caio como uma fruta madura. O garoto chegou antes. Ele vai em direção ao carro. O ronco do motor roça brutalmente os meus sentidos até transformar-se num horizonte inaudível.  Esboço um suspiro de contentamento enquanto a dor dilacera as incertezas. Isso é tudo, descubro: nada.
   
C.P.

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