quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Criatura perdida pelos cantos vive

Folha de alumínio molhada. Ele a vê sob a superfície da pia, e não dá a mínima bola. São 05h53min da manhã, o dia está nascendo, o sol está nascendo, e ele está morrendo. O macaco perdido em sua jaula, na transição de madrugada para dia. Tudo que pertencia a ele acabava ficando para trás, e só retornava quando tudo escurecia. Sua mente voltava a funcionar como o motor de uma máquina que tem hora pra começar a trabalhar. E era assim com ele. Perdido no imenso vazio de seu apartamento, na madrugada de Porto Alegre. Mas poderia ser em qualquer lugar. Imagino que até mesmo se ele estivesse em uma missão espacial, dentro de um foguete em direção a lua, seria a mesma coisa. Ele olharia para os buracos negros por toda a extensão de um céu preto. Infinito e póstumo. Não estaria mais isolado do que neste mundo habitado por milhões de pessoas que nascem todos os anos, e crescem todos os anos, e se tornam animais que ele sempre acaba conhecendo. Até porque as pessoas realmente interessantes não existem à sua volta. Parece até algum tipo de maldição. Seria algo que ele fez em alguma vida passada, nos primórdios do universo? Por que essa ligação com o Universo, em geral?!


Não, não adianta. Ele não sabe! Ele sente, mas não sabe. Sente seu corpo flutuar por corredores negros recheados de estrelas brilhantes iluminando o caminho infinito. O próprio macaco no espaço; viajando por entre várias formas de vida e sons. Principalmente sons, que ele não reconhece, mas que sempre acabam lembrando-o de alguma música que ele escutou enquanto ficava trancado no seu apartamento na Rua Teodoro Piñero. Viveu tantos anos lá. Lembra de viver sentado em cima das caixas de cerveja que tomava toda noite pra agüentar a sua vida tão sem graça. E ele por uma crise psicológica interna, saía pouquíssimo de casa. Muito pouco mesmo. Então o lixo acabava ficando dentro da casa dele mesmo. Mais propriamente na sala, onde ele ficava a maior parte do tempo. Colchão, sofá, computador, TV, vídeo-game, livros, cd’s, dvd’s. Ele trabalhou durante muito tempo. Mas cansou de manter contato com outros humanos, então juntou dinheiro para poder ficar hibernando em casa durante alguns meses.


Esses poucos meses acabaram durando dois anos e meio.



Uma bela madrugada, fria e seca, mudou completamente a vida dele. Porque no meio de toda aquela sujeira, ele encontrou um guarda-chuva. Logo ele, que nunca gostou de usar guarda-chuva. Fazia tanto tempo que ele não via um guarda-chuva, que ficou tateando o negócio preto até perder a curiosidade. Quando isso aconteceu, ele o abriu, ali, no meio da sala mesmo! Uma madrugada fria e seca, que ventava muito. E quando ele nem prestava atenção ao vento do lado de fora da sua janela, sentiu uma sucção vindo de cima. Notou que logo em cima dele não havia mais telhas, muito menos forro. Um enorme buraco mostrava a ele a lua, as estrelas, e aquele céu azul escuro negro, de uma boa madrugada de inverno no Rio Grande do Sul. Sem mais nem menos, começou a subir. Subiu, subiu, subiu e foi indo. Fazia tanto tempo que ele não saía pra dar uma volta, que resolveu acender um cigarro pra aproveitar o passeio. Quando estava chegando perto de uma nuvem, cruzou com um macaco que usava um chapéu, daqueles de festinhas de aniversário infantis. O macaco flutuava em uma calota de carro, e ia em direção oposta à que ele estava indo. Ele até levantou brevemente a mão para cumprimentar o macaco, mas não obteve qualquer reação.


Imaginou que o macaco estava feliz. Assim como ele estava.

E foi por aí, subindo, subindo, subindo.

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